A Dama de Lilás

-Olha papai,o vestido que o namorado da mamãe me deu,não é lindo?
Vou com ele á festa do primo Rodriguez!

(Dizia Samantha,fazendo poses para o espelho,encantada com o vestido que ganhou do padastro)

-E o vestido que comprei pra você,porque não vai com ele?

(protestava Gomes com ciúmes)

-Ah papai,é que não tenho nenhuma roupa dessa cor,acho tão linda...

-E o que é que tem de bonito em um vestido roxo?

-Não é roxo papai,é lilás! (Corrigia Samantha,com um sol no rosto)

-Lilás,roxo,azul,tanto faz! E filha minha não vai a lugar nenhum vestida com isso ai!
(Disse Gomes,enfurecido,enquanto levantava da poltrona)

-Mas...O tio Jonas disse que...

-Ele não é seu tio,o Rodriguez não é seu primo e você não sai desta casa com este vestido ridículo e acabou! (Gritou Gomes,enquanto segurava com força o braço frágil da menina)

-Ai! Me solta! Você está me machucando! (Gritava ela,enquanto mordia o braço do pai e fugia em seguida)

-Volta aqui Samantha!! Vou lhe ensinar a respeitar seu pai!
(Gritava Gomes em tom ameaçador)

-Você é que tem que aprender,depois de fazer aquelas "coisas feias" com a Laurinha...(Insinuava algo quase em um sussurro)

-O que você viu Samantha!?Abre essa porta!! (Gritava ele enquanto esmurrava a porta do quarto da filha)

-Vi você fazendo aquelas "coisas nojentas" com ela...E escutei você dizendo para ela não contar pra ninguém,senão você machucaria o gatinho dela...(disse Samantha,agora chorando)

-Você não entendeu filhinha,eu só estava tentando ajudá-la,abre a porta Samantha!!!(Gritava ele,agora dando ponta pés na porta)

-Samantha,por favor,abre a porta filhinha,o papai só quer conversar com você meu amor... (Implorava Gomes em um tom mais baixo)

-Não! Vou ligar pra mamãe vir me buscar! (Respondeu ela,pegando no telefone)

-Samanthaaaa!!! (Gritou Gomes,dando uma pancada tão forte na porta que nem as paredes resistiram)

A porta cai...

dentro do quarto,Samantha estava ao telefone e vestida com seu lindo vestido lilás.

Vem aqui garota,você não viu nada,entendeu?
Você não viu nada! (Repetia ele,desesperado e enfurecido enquanto segurava a filha pelo pescoço)

-Aaahh!! (Gritava a menina desesperada,dando chutes no ar)

Em vão...

Desta vez,Gomes não soltou a menina,que balançava as pernas tentando se soltar.
Então Gomes à levou para o quintal,arrastando-a agora pelos cabelos.
Chegando lá,amarrou a filha em uma pequena e já sem vida árvore seca,tão seca quanto os corações rancorosos.

-Não papai! Me solta, eu prometo me comportar! (Gritava a menina,desesperada,só agora sentindo o cheiro fortíssimo de bebida que exalava do pai)

-Claro meu amor,mas antes você vai aprender uma lição! (Disse Gomes,pegando um velho chicote em seguida)

E durante eternos trinta dolorosos minutos,Samantha foi violentamente surrada pelo pai.
Durante a surra,a menina esqueçeu de todas as palavras que aprendeu durante sua breve vida,só conseguia pronunciar a primeira palavra que aprendeu quando ainda era um bebê e,provavelmente a última que vai esqueçer:

-Mamãe...

E chorava a dor das chibatadas que doiam muito,demais para quem só tem doze anos suportar...

-Mãe...

Muitas chibatadas depois,Samantha estava imóvel,desfigurada pela violência paternal.
O sangue escorria pelo seu corpo,tingindo seu lindo vestido,que sangrava junto com ela e saciava a sede do solo,que compunha a única coisa que testemunhou aquele crime pavoroso: a natureza.
Assim morreu Samantha Gomes e os sonhos de uma infância engolida pelo desespero.

Antes que a filha morresse,Gomes á deixou amarrada ali,e foi para dentro de casa novamente.Entrou na biblioteca,abriu uma garrafa de scotch,relaxou na poltrona e,exausto,adormeçeu...
Enquanto isso,lá fora,Samantha dava seus últimos suspiros e ao mesmo tempo que suas lágrimas se misturavam a seu sangue,sua vida findava,assim como os sonhos bons findam em um mundo de desesperança e sem amor ao próximo.

-Mamãe...

Preso em um sono profundo,Gomes teve um sonho:

Sonhou que sua filha estava dependurada em um abismo,prestes a cair para a morte certa.A filha gritava por ele,desesperada.E quanto mais ele se aproximava da filha,mais ela escorregava.
Derrepente,a queda.Samantha escorregou e seu pai nada pode fazer.
Em um salto,Gomes desperta do pesadelo e vai ao quarto da filha.

-Samantha,filha,cadê você meu amor? (Chamava pela agora,distante filha)

Mas quando viu a porta do quarto da filha no chão,Gomes deu um grito de pavor tão doloroso,que até hoje ecoa pelos vales cinzentos do leste, e teve muito medo de ir até o quintal...

-Filha...(Sussurrava,dirigindo-se lentamente para o quintal)

Depois de ver o corpo da filha já sem vida,Gomes em um ato de loucura,fez algo tão pavoroso quanto o assassinato da própria filha: Enterrou o vestido de Samantha ali mesmo,no quintal e durante duas primaveras,Gomes se alimentou dos restos mortais da filha.
Já completamente louco,dizia que "onde quer que o papai estivesse, ela estaria com ele".

-E onde está o castigo que as fadas deram á ele? (Questionava o impaciente garoto)

-Calma guri,a história ainda não terminou...(Respondeu o duende dando uma última tragada no cigarro)

Reza a lenda do vale Du feé,que as fadas deram a ele,o mais terrível castigo que uma fada poderia dar a uma pessoa: a imortalidade.
As fadas proibiram que o anjo da morte levasse Gomes para o mundo dos mortos,mas que o deixasse vivo por toda a eternidade.
Gomes poderia sentir dor,poderia até envelheçer mas o anjo da morte riscou o nome de Gomes do livro dos dias.
Amaldiçoado,Gomes ficou tão seco e velho que transformou-se em uma árvore podre e enegrecida e que agoniza até hoje pelo mundo do arrependimento.

Depois disso,uma coisa curiosa aconteçeu no quintal de Gomes:
No lugar onde ele enterrou o vestido da filha,ninguém sabe dizer como,mas aquela árvore velha que Samantha foi surrada até a morte,cresceu uma gigantesca e linda árvore de ipê-roxo,que em toda primeira semana de junho até o final de setembro,presenteia aquele lugar com flores lindas,todas roxas.
ou como diria Samantha:

-lilás.

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